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Assustado com a falta de vergonha dos brasileiros, dos que estão no poder e do povo em geral, o psicanalista ítalo-brasileiro Contardo Calligaris escreveu uma série de artigos, que vale sobretudo pela preocupação. Ele lembra que a antropóloga norte-americana Ruth Benedict estudou o comportamento das pessoas em relação à moralidade. Ela mostrou que há sociedades reguladas pela vergonha e outras pela culpa. É comum no Japão uma pessoa, flagrada em corrupção, tirar sua própria vida. É a maneira que tem para preservar sua dignidade. "Nas sociedades em que predomina a vergonha, o sujeito escolhe agir, se abster ou impor limites à sua ação para não perder a face e para preservar ou resgatar sua honra e sua dignidade. Nas outras, o sujeito age para evitar a culpa ou para expiá-la". (CALLIGARIS, Contardo. Culpa e vergonha (Moralidade 1). Folha de S. Paulo, 2.2.2006, ilustrada, p. 12.)
Os brasileiros dão um nó na antropologia em particular e nas ciências sociais em geral. A vergonha é escassa. Seria de esperar, então, que houvesse culpa, mas o sentimento de culpa é abrandado pela impunidade. De impunidade em impunidade, a culpa e a vergonha vão cauterizando a mente (1Timóteo 4.2) para não sentir vergonha nem culpa por mais vergonhosa e culpada que seja a ação.
Vergonha e culpa são da condição humana. A Bíblia em geral e o apóstolo Paulo em particular põem a primeira como conseqüência da culpa. Nossa culpa, diz Daniel, deve nos levar a sentir vergonha. Ele orou assim: "Oh Senhor, nós e nossos reis, nossos líderes e nossos antepassados estamos envergonhados por termos pecado contra ti" -- Daniel 9.8).